Nunca esqueco desse dia. Ele me acompanha todos os dias da minha vida. Foi o dia que eu surfei a maior onda da minha vida na Joaca. Acordei de manha cedo, e, sabia que o mar estava grande. Os boletins, o vento durante a noite, e aquele frio na barriga, consequencia de uma sabedoria biologica adquirida durante anos de experiencia propria baseada nas condicoes climaticas e oceanicas, alertavam dias de terror, ou gloria.
Eu olhava pela janela do meu apartamento na Beira-Mar Norte, vento favoravel. Andava de um lado pro outro pensando se... vou pra Joaca(?) ou norte do estado(?) Palmas(?)
O telefone toca, era Rafael Ramos. Ele diz: "Vamos pra Joaca! O boletim diz que tem dois metros com series maiores, abrindo!!" Eu nao pude dizer outra coisa a nao ser: "Vamos nessa! Passa ai!" A partir dai, um processo psicologico se estabeleceu em minha cabeca. Varias reacoes quimicas dentro do meu corpo.
Quando chegamos na praia, eu me deparei com ondas assustadoras de tres metros quebrando la' fora, mas tao perfeitas que nao tinha como inventar desculpa e dizer que ta meio fechando. A Joaca tava gigante, e abrindo. Ondulacao de leste, com um pouco de influencia de sudeste. Sol brilhando.
Nao tinha ninguem no outside. No estacionamento, estavam Fabio Break, Leonardo Zeta e Rafael Pokoto. Eles ja' tinham surfado, e eu lembro bem quando Pokoto olha pra mim e diz: "Ta bem maior do que parece."
Rafael Ramos resolve cair com sua prancha maior, uma 6'7" e comeca a trocar as quilhas de uma prancha pra outra. Antes que o panico tomasse conta de mim, eu parei de olhar pro mar, vesti minha roupa de borracha, peguei minha 6'0" do dia-a-dia e corri pro costao. Lembrei do Marquinho Goncalves. Ele me ensinou como passar a arrebentacao na Joaca quando o mar esta muito grande e nao da pra pular das pedras. Marquinho era um mentor pra mim. Durante um bom tempo, nos iamos pra praia todos os dias juntos, ele sabia tudo sobre as condicoes de surf na Ilha. Marquinho tinha um emprego, dar o boletim de surf na radio. Na epoca nao tinha celular, nos tinhamos sempre que ficar na funcao de estar perto de um orelhao nos horarios que ele tinha que dar o boletim. Ele ligava de um orelhao pra radio, esperava os comerciais e entao eles colocavam ele no ar. Lembro que algumas vezes ele deu o "migue' " porque as ondas estavam muito boas.
Quando o mar esta assim grande na Praia da Joaquina, e' dificil pular do costao de pedras, num lugar que costumavamos chamar de "Garganta do Diabo". Entao optei usar a tatica do Marquinho. Remar colado no canal do costao e ir ate' atras da pedra "Careca", ficar furando as ondas atras da pedra (porque as ondas perdem um pouco de forca quando explodem na pedra), remar forte e segurar sempre bem proximo atras da pedra pra nao ser levado pela corrente. Se voce escapar de tras da pedra e for levado pela corrente em direcao ao meio da praia, desista e comece tudo novamente.
Eu esperei atras da pedra durante um bom tempo furando varias ondas, e, quando eu olhei pro outside e percebi que o momento entre-series tinha chegado, eu sai remando que nem um louco, respirando como um atleta, sabendo que eu tinha um longo e perigoso caminho (no oceano) a seguir. Eu tive que furar umas tres ou quatro ondas de um metro e meio (no qual me pareceu ondas de meio-metro naquela situacao) e quando eu me dou conta, ja' la' longe, no meio do oceano, eu estou ainda remando pra fora pra ter certeza que eu nao ia tomar uma serie gigantesca na cabeca. Eu era a unica pessoa no outside, sem nenhum ponto de referencia, a nao ser, confiando na minha propria experiencia de vida, frequentando este lugar durante anos, todos os dias. Olhando la' de fora, a praia, os restaurantes, o estacionamento, parecem uma maquete. Fica tudo pequeno.
Minutos mais tarde, eu avisto Rafael Ramos chegando no outside. Eu sinto um certo alivio. E' bom ter mais alguem pra dividir tanta adrenalina. Eu vi ele dropar uma onda insana. Rafael Ramos e' psycho. Depois de uma meia-hora aparecem remando no outside, Rodrigo Viegas, Fabricio Machado e Cristiano Buiu'. Individuos corajosos que preferem "conquistas" ao inves de diversao. Homens que preferem encarar o medo, do que fugir, se esconder.
Eu levei uns 50 minutos pra pegar uma onda, e que foi a unica onda que eu peguei durante a sessao. Eu fiquei estudando as series e onde eu conseguiria dropar uma onda daquele tamanho com uma prancha 6'0". Ate' que o "momento da vida" chegou. Uma serie entra, eu tento remar na onda, mas nao consegui entrar. Eu estava um pouco fora do lugar certo. A onda que vem atras e' maior ainda, tinha uns 12 pes sem exagero, eu vi que eu estava numa posicao favoravel, mas estava preocupado em tentar remar com tudo, nao conseguir entrar, e tomar as ondas de tras na cabeca (o que ja' tinha acontecido comigo anteriormente). Erro que voce nao pode cometer com ondas daquele tamanho. Mas eu senti que ia dar. Remei com tudo. Quase que eu nao entro. Subi na prancha, fiquei meio preso no lip, tive que botar uma certa pressao no pe' da frente... dai' em diante parece que tudo ficou mais lento, devagar... o drop foi eterno... surfar nunca foi tao facil... apesar da prancha pequena e de eu ter que esperar ate' perder velocidade pra poder executar a cavada... tudo parecia tao facil. Tudo fica mais devagar, o tempo, o mundo, a vida. Uma sensacao de paz diante do caos. A onda me deu oportunidade de dar uma rasgada, e quando eu olhei pra tras e vi a espuma vindo na minha direcao eu cortei a rasgada no meio do caminho, acelerei, corri mais um pouco na parede da onda, abismado com tanta energia, e antes que a onda fechasse em cima de mim, eu apontei a prancha pra praia, e tentei me livrar da explosao. Obviamente inutil, fui varrido pela enorme espuma branca que me arrastou ate' a praia. Gracas a Deus com vida. Com muito mais vida do que antes.
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