Interview: Daniel Barcellos Ellwanger

Eu cresci surfando na praia da Joaquina, e la' tinha sempre uma geracao de moleques mais novos nos quais nos chamavamos de os "kid fuxica". Entre eles estavam o Bugiga, Liminha, Xandinho, Galinho, Pedrinho Albano, Valinha Show, e muitos outros, todos os dias crowdeando o inside entre o costao e a pedra careca. Um deles que se destacava nas sessoes de free-surf e nos campeonatos, se chamava Gayan Barcellos. Mais tarde atraves do Yuri Castro, Fernando Fanta e Daniel Pereira eu fiquei sabendo que o Gayan tinha um irmaozinho pequeno que era muito talentoso, surfava muito e tambem um grande artista. O tempo passou e eu vim conhecer o Danielzinho, como era conhecido em Floripa, depois de muitos anos na minha casa na California, e pude ver que o Dani nao e' so' uma pessoa talentosa, ele e' um ser humano especial. Virei fan na hora e providenciei essa entrevista para os leitores do meu blog. Aproveitem, porque nao e' toda hora que nasce um genio desses, e nao e' toda hora que se tem oportunidade para ouvir o que um genio tem a dizer.

(Palavras do proprio DBE - Daniel Barcellos Ellwanger...) O Daniel é um cara que nasceu no bairro Canto da Lagoa em Floripa, cresceu surfando na praia da Joaquina, e foi influenciado por algumas pessoas especiais. Primeiro meu irmão e ídolo Gayan Barcellos, que me botou em cima de uma prancha de surf quando eu tinha 5 anos de idade. A convivência com o oceano ensina muito e contribui pra formar a personalidade de quem aproveita essa oportunidade. Posso citar a CALMA e a PACIÊNCIA como importantes aprendizados ensinados pelo mar, tanto no momento de esperar por uma onda, quanto no turbilhão de uma vaca, ficar calmo é necessário. Depois foi natural passar os desenhos dos cadernos do colégio, para as pranchas. Se juntar com os amigos e produzir camisetas, e filmes de surf virou trabalho desde cedo, era uma forma de manter a galera unida e fazer um troco entre uma sessão de skate e outra de surf. A marca que a galera criou na época foi um aprendizado gigantesco, na ERVIN a gente produzia roupas, criava estampas, eventos, filmes de surf, aprendemos a lidar com o mercado, fornecedores, a divulgar nossos produtos e a vender nossas idéias. Era uma galera muito massa, vários viraram surfistas profissionais, e isso fez as pinturas aparecerem em revistas nacionais. Era possível ver adesivos da marca em carros pela ilha inteira. Ir a festas na cidade e contar mais de 20 pessoas com a camiseta da marca. Isso era muito gratificante. Essa fase da marca que durou dos 13 aos 20 anos, foi muito importante pro meu desenvolvimento como artista, eu me mantinha produzindo, estava sempre pintando, criando algo. Outra pessoa que me acrescentou muito, foi o artista, designer, e tatuador, Pedro Driin, quem me motivou a inserir meu trabalho na rua, além de várias sessões de pintura onde ele me ensinou várias coisas, mas pra citar uma, o Driin me ensinou a “VER”, a ver com sutileza, a ver a poesia na arte, a visualizar um caminho trilhado pelos traços onde a obra comunique uma mensagem, um sentimento. A partir da pintura mural, que comecei a me dedicar em 2009, um pouco antes de completar 21 anos, foi que comecei a descobrir o que é a arte na minha realidade. Pra mim, hoje, ARTE É COMUNICAÇÃO. É a responsabilidade pela intenção do que se está comunicando com a obra. Deu pra entender? Arte tem o poder de emocionar, de criar um momento de reflexão para o observador. Acredito que o importante está na qualidade do que se comunica, O que você quer falar? O que quer criar? O que quer colocar no mundo? No último outubro 12, foi quando a inquietude e a vontade de expandir os horizontes tomaram conta de mim e não deu mais pra segurar, precisava viajar, sair da ilha. Comecei indo com meu pai pra Amazônia, Roberto meu pai de sangue, outra pessoa que destino muita gratidão pelos valores que me transmitiu. Ficamos uma semana conhecendo cultura, rios, florestas e índios. E na sequência fomos pra Miami-FL, EUA. Contraste! Na Florida rolou muita coisa legal, fomos atrás de um primo que tinha sumido da família fazia mais de 30 anos, bancamos uma de detetive, só tínhamos o nome dele e a cidade, e fomos numa delegacia que por sorte tinha um brasileiro que trabalhava lá e nos ajudou a encontrar os endereços do primo. Ao checar o primeiro endereço não deu certo, mas no segundo, o cara estava lá! Nunca vou esquecer a expressão do primo Toni ao reconhecer meu pai. Meu pai foi embora, arrumei um carro e a Gabi, minha namorada na época, a quem sou eternamente grato e apaixonado por tudo que a gente viveu junto, foi pra Florida pra me encontrar. Nesse momento a gente já estava meio que morando no carro. E rolou outra sintonia muito linda com uma senhora que se chama CAROLE, que a gente conheceu no café da manha em um bar, só porque o bar estava cheio e com fila de espera para usar as mesas, ai convidamos a senhora para sentar com a gente. Passamos duas semanas na casa dela em Miami, dando comida pro gato enquanto ela estava viajando pela Europa. Áh, antes que eu me esqueça, nessa época a gente fez um leilão pelo FB, de quatro obras que pintamos juntos, da série AMAR É OURO. Fizemos um video pra divulgar a idéia, o leilão ficou aberto por uma semana, a galera que teve interesse nas obras deu o lance com comentários! E deu certo!!!! A gente arrecadou R$ 2000 que pagou a nossa trip da Florida pra Califa!!!! Uma galera participou, foi muito massa ver as pessoas querendo as pinturas e nos ajudando a realizar esse sonho. Dirigimos de Miami pra San Diego, pela I-10, levamos 4 dias pra chegar e vimos lugares lindos, contrastes de cultura e paisagens de um estado para o outro. A parte mais intensa foi no Texas, onde a temperatura variava de -3°C (negativos) de noite e de dia chegava a 28°C. Dormimos no carro, com sacos de dormir, foi inesquecível. Chegamos direto na casa do mestre MORELLI Alexandre, que nos recebeu com suas saudosas taças de vinho!! E passamos uma semana dentro do universo da OUTRA CULTURA, muito irado!!! Subimos a Califa, pra LA, rolou uma encomenda de 30 camisetas pra Australia, que a Gabi me ajudou a pintar. E depois fomos pra Santa Barbara, onde o Geraldo, sangue bom, nos recebeu por um mês. No skate park de SB, conhecemos outro anjo, José Fadigas, mais conhecido como Zé, que me arrumou um mural pra pintar num restaurante e estúdio de capoeira, Brasil Arts Café, que estava abrindo na principal rua de SB, State St. Levei um mês pra pra terminar a obra, um retrato do Pelourinho da Bahia. Brinco que passei um mês no Pelourinho na California. Depois de terminar a pintura ainda trabalhei na construção, pra ajudar a terminar o restaurante. A galera muito divertida, Daniel Chin, Picolé, Tadeu, Lica, galera de coração grande! Foi onde levantei um troco pra ir pro Hawaii em abril13, a Gabi já tinha voltado pro Brasa. Passei um mês em Kailua, uma cidade de Oahu. Ainda deu pra pegar umas ondas no north shore, restinho de temporada, Pipe, Backdoor, Rock point, Back Yards... Trabalhei numa fábrica de chocolate, de um amigo que eu tinha conhecido no Brasil. Dylan, ele tinha ido pro Brasil atrás de cacau pra começar a fábrica, mas ai viu as ondas da joaca funcionando e ficou meu amigo, e amigo dos meus amigos. Levei ele pra conhecer a Lagoinha do Leste. Acho que em Floripa ele esqueceu do cacau e só foi lembrar na Bahia. Na fábrica, Manoa Chocolate, o melhor chocolate do mundo, eu conheci a Jenna, uma promotora cultural que me ofereceu a possibilidade de fazer uma exposição das minhas obras. Mas eu não tinha pintura nenhuma pra expor naquela época. Ai eu falei pra ela; -Tá bom, vamos fazer uma expo!! Claro!! Mas daqui 3 meses, e eu vou pra Indonesia pintar! OK? Ai eu trago as pinturas comigo e a gente faz o evento! Ela ficou surpresa, mas achou a idéia interessante. Cheguei em Bali, Indonesia, em maio13. Ai pra resumir... Morei com nativos por 3 meses, isso mesmo, banheiro no chão, banho de balde de água fria, sem geladeira, comida com a mão, cachorro, gato, galinha, porco, moto, religião Hindu, corações gigantes e AUTAS ONDAS. Na primeira semana na indo, encontrei o BORRACHA, Alexandre Lemos, da Joaca. Fomos pra Desert Point, e descobri mais um irmão, que eu já conhecia, mas não sabia que era tão sangue bom!! Em Desert, pra minha SORTE, no primeiro dia de surf, dei de cabeça no coral! E foi graças a isso que quando voltei pro hotel, precisando de alguns pontos, conheci um casal da Holanda, eles me ofereceram um médico que fazia parte de um projeto social que estavam trabalhando. Esse casal mudou minha vida, fez eu sentir que podia ajudar pessoas em situações desfavorecidas. E esse sentimento é inexplicável. Fui com o casal visitar o vilarejo que eles ajudavam, e fiz algumas fotos pra gerar um material pra contribuir com o projeto, que chama VLOK. Voltei pra Bali, e EUREKA!!! tive a idéia de pintar as obras com fragmentos das fotos do vilarejo, e com isso compor uma exposição e arrecadar dinheiro pra doar pra VLOK. Transformei o quarto da casa dos nativos que eu morei em um estúdio, e lá eu passava tardes e noites produzindo, depois da sessão de surf matinal! No meio do processo fiz um video pra ver se meus amigos se interessavam em me ajudar a terminar as obras, foi um crowd-funding muito bem sucedido! Foi o dinheiro que usei depois pra montar a expo quando voltei pro Hawaii. Me impressionou a quantidade de pessoas que ajudaram e se sembilizaram com a idéia! www.vimeo.com/dbe/artsocial Nesse periodo, passei por Singapura pra visitar uma feira de arte, ART APART FAIR, onde as galerias da Asia transformaram os quartos de um andar inteiro de um hotel em uma grande mostra de arte!! Usei o CouchSurfing, pra passar uma semana em Singapura, e conheci uma pessoa incrível, Kuni, o cara já viajou por mais de 120 países, e ele tem 2 quartos e uma sala num pequeno AP, onde ele recebe gente do mundo inteiro, todo dia, através do CouchSurfing!!! Em cima da mesa tem 3 cadernos gigantes onde cada pessoa que se hospeda no AP deve assinar, eu fui o numero 3.127 Dá pra acreditar? Depois de muitas ondas e com saudades dessa ilha mágica que é Bali, voltei pro Hawaii em agosto13. A Exposição Mimpi Indah, (que em Bali quer dizer TENHA BONS SONHOS), aconteceu dia 29 de agosto em uma loja da Audi em Honolulu, Hawaii, e só foi possível porque muita gente acreditou na idéia e doou $. Sou extremamente grato por todo mundo que participou!! Foi um evento onde eu me senti só um instrumento pra unir toda a galera que marcou presença com a intenção de ajudar o projeto VLOK na Indo. Foram vendidas impressões, reproduções das obras originais, e o dinheiro arrecadado foi pra Vlok. Não dá pra explicar em palavras o sentimento que é ler esse email que recebi do casal que conheci em Lombok: Hey Daniel, We went to the Western Union Point and we got the money. Thank you so much. Come and see in Labuan Pandan later on, which was the house you built Henk and Klaaske (Labuan Pandan é o vilarejo em Lombok, Indo, que a VLOK trabalha) E pra traduzir, a idéia é: Vem pra Indo depois ver a casa que tu construiu. Esse é o video da expo: www.vimeo.com/dbe/sweetdreams Bom, não fui só eu, Toda a galera que acreditou na idéia, pode agora se sentir responsável por construir uma casa pra uma família que antes não tinha! Pra concluir; Descobri em quase um ano com o pé na estrada, que o que faz as milhas percorridas valerem a pena são as PESSOAS que você sintoniza no caminho! E o ensinamento que elas carregam pra transmitir! Descobri que não importa pra quantos lugares você viaja, e sim o quanto você consegue viajar pra dentro de si mesmo e se conectar com a sua essência, com o seu propósito de estar vivo! Pra quem leu até aqui, obrigado por existir! (Dai a minha ultima pergunta pro Dani foi: O ser humano tem chance?) Ele responde: Claro que o ser humano tem chance!! O ser humano é a chance!! Basta escolher, se tu vai entrar na ”corrida maluca”, ou se tu vai fazer algo pra harmonizar o ambiente ao teu redor!